08 agosto 2006

Chamarrita: o último baile açoriano

A Chamarrita é um dos mais antigos bailes tradicionais dos Açores, que ainda hoje reúne espontaneamente a população, em festas populares e encontros ocasionais. Antigamente, era a Chamarrita que reinava nos momentos de convívio, as chamadas “folgas”, depois de um dia de trabalho nos campos. Hoje, há ainda um número apreciável de jovens que aprenderam a “bailar” (é esse o termo utilizado) e não dispensam uma roda de Chamarrita.

Baile de roda mandado, é o único no arquipélago que não é apenas “bailado” pelos grupos folclóricos e etnográficos, e que ainda permanece no sangue de quem aprendeu os seus passos. É acompanhada por vezes por cantadores, e sempre por tocadores, com violão, viola da terra, bandolim e eventualmente uma rebeca. Em cada ilha, e mesmo de freguesia para freguesia, coexistem diferentes versões da coreografia, o que não deixa de ter um resultado curioso, quando se juntam bailarinos de ilhas diferentes.

Durante os séculos XVIII e XIX, com a imigração de muitos açorianos para a América Latina, a Chamarrita espalhou-se por países como o Uruguai e a Argentina, tendo uma importância particular no Sul do Brasil, sobretudo no Rio Grande do Sul. Na província argentina de Entre Rios, chamavam-lhe “limpia bancos”, porque ninguém ficava sentado ao ouvir os primeiros toques da viola.

Ainda hoje este baile tradicional subsiste, sobretudo nas comunidades de pescadores e camponeses, e é um dos traços da cultura gaúcha, a par de outras danças também importadas dos Açores, como o “Pezinho”. Isto apesar de ter revestido formas diferentes, tanto na música, como nas letras e na coreografia.

No entanto, a Chamarrita continua a ter um papel fundamental, e é considerada “a Rainha das Danças” nos fandangos, suites de danças tradicionais do Brasil. Impressiona a força com que este baile de roda atravessou os séculos e as geografias, e com que permanece ainda hoje enraizado na cultura e no quotidiano de vários povos.

Chamarrita no festival Andanças

Cerca de quarenta pessoas aproveitaram o festival Andanças, em São Pedro do Sul (distrito de Viseu), para aprender a bailar a chamarrita “à moda do Pico”. A oficina de dança “Chamarritas dos Açores”, com a coordenação de Carla Gomes e o apoio de Henrique Craveiro, foi uma das presentes este ano, a 5 e 6 de Agosto. É o segundo ano consecutivo que a chamarrita faz parte do programa do festival internacional, que tem como objectivo divulgar danças tradicionais de todo o mundo.
Num dos palcos instalados no recinto do festival, na aldeia de Carvalhais, pessoas de todo o país e mesmo do estrangeiro aprenderam os passos e a coreografia essencial deste baile de roda mandado. Poucas conheciam os Açores ou tinham ouvido já falar da chamarrita, mas o entusiasmo geral levou muitos a prometer voltar no próximo ano para aperfeiçoar aquilo que aprenderam nesta oficina, com duração de uma hora e meia.
Houve mesmo quem tivesse estado presente nos dois dias da oficina, que tem tido uma adesão cada vez maior. Depois de muitas rodas e muito cansaço, foi distribuída aos bailarinos estreantes alguma documentação sobre a chamarrita, para que possam conhecer um pouco mais sobre a sua história, que se espalha por países tão diversos como Portugal, Argentina, Brasil e Uruguai.
Para o final, estava reservada uma surpresa. Um disco com chamarritas bailadas no Brasil, oferecido pelo grupo de música tradicional Viola Quebrada, do Paraná. No segundo dia, os participantes ainda quiseram tentar bailar esta versão da chamarrita… Além de elementos de grupos de música tradicional, a iniciativa contou com a participação de muitos curiosos de Norte a Sul do país e ainda com alguns estrangeiros, incluindo um casal proveniente da Alemanha.
O festival Andanças é organizado pela Pé de Xumbo – Associação para a Promoção da Música e Dança há dez anos. A primeira edição realizou-se em 1996, com o objectivo de divulgar e promover a troca de experiências entre músicos e dançadores de todo o mundo. Além das oficinas de dança, para aprender, há concertos e inúmeras actividades paralelas, como conversas e exposições. Milhares de pessoas acorrem todos os anos, para aprender danças de todos os cantos do planeta, desde África ao Médio Oriente, da Europa à América Latina. Mais informações sobre o festival podem ser consultadas em: http://www.pedexumbo.com/site2005/site_and06/andancas2006_home.htm.